Tarragona: dos Gladiadores ao Caga Tió

 


Fomos para sul de Barcelona. Cem quilómetros após o início da viagem eis-nos em Tarragona, uma cidade com origem na cidade romana de Tarraco, fundada no ano 218 a.c. e que na sua época foi um exemplo para todas as capitais do império romano. A importância do legado é tão importante que, em 2000, a UNESCO declarou o conjunto arqueológico de Tarraco como Património Mundial da Humanidade.

Assim que entramos na cidade identificamos vestígios da presença romana espalhados por toda a parte, mas o destaque é sem dúvida o majestoso anfiteatro, de forma oval, construído a um passo do mar, com capacidade para catorze mil pessoas e onde aconteceram inumeras e sangrentas lutas de gladiadores e execuções publicas.

Construído no século II d.c., chegaram até aos nossos dias a arena e uma parte da escadaria de pedra. Apesar de muitas das esculturas e vestígios estarem no Museu Arqueológico Nacional de Tarragona, localizado no bairro de Serrallo, a visita ao interior do anfiteatro é imperdível. É só quando pisamos a arena que sentimos a sua verdadeira dimensão e imaginamos o que terá sido este local no seu apogeu.

Outra curiosidade é, após o declínio do império romano terem edificado, no  interior deste anfiteatro, uma basílica visigótica sobre a qual se ergueu, posteriormente, a igreja medieval Santa Maria do Milagre. Ao redor do templo foi também construído um cemitério com túmulos escavados na arena e mausoléus funerários, de que ainda podemos encontrar testemunhos.

Após gastarmos um bom par de horas a admirar a originalidade do anfiteatro continuámos o nosso caminho e subimos a Calle Mayor, repleta de lojas de lembranças e produtos locais, até à praça Pla de la Seu, onde encontramos a majestosa a Catedral de Santa Tecla. Neste local existiu um templo dedicado a Augusto e foi sobre ele que em 1171 se iniciou a construção da Catedral. Dizemos iniciou porque ela é hoje o resultado de múltiplas contribuições arquitetónicas ao longo de vários séculos e de diferentes estilos artísticos.


As fachadas caracterizam-se pela falta de uniformidade provocada pelos diferentes volumes das capelas anexadas, no século XV, aos corredores laterais, que incluem notáveis ​​intervenções medievais, renascentistas e barrocas.

Desde a fachada até ao topo da torre sineira ela está repleta de memórias históricas importantes e belas obras de arte: desde o Altar-Mor, ao retábulo de madeira dedicado à padroeira da cidade, Santa Tecla, as várias esculturas medievais peculiares, à coleção mágica de esculturas de madeira, aos murais medievais magnificamente preservados, toda a sacristia, a decoração interior da cúpula, o Museu Diocesano e finalmente o magnífico claustro, datado do século XII, um local destinado à leitura, caminhada e meditação mas também à realização de procissões.

Em 2007 mais um testemunho histórico se junto a este tesouro histórico  quanto os restos mortais de Augusto, a quem o templo romano original era dedicado, foram localizados na nave central após campanhas de escavações arqueológicas e levantamentos geofísicos. 

Longos foram os minutos passados na Catedral, de pescoço levantado a admirar e a interpretar não só a beleza como a mensagem que chegou ate nós, desde os tempos medievais. Ao sairmos novamente para a Pla de la Seu, merecemos sentar-nos numa das esplanadas a retemperar forças e a apreciar esta praça rodeada de edifícios históricos como o Palau de la Cambrería. Uma envolvente que dá outro sabor a qualquer pausa.

Mas se a opção for almoçar, então sem dúvida a aposta é a Plaza de la Font, localizada entre a Rambla Nova e a cidade velha e a mais popular de Tarragona. Uma praça alongada cheia de bons restaurantes e esplanadas convidativas para comer e fazer planos de viagem.

Repostas as calorias, fomos descer a Rambla Nova, a rua mais famosa da cidade e onde descobri um dos monumentos mais fotogénicos da cidade: A homenagem aos Castellers.

Em Tarragona, os castells constituem uma tradição profundamente enraizada, declarada Património Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO.  Em Outubro, dos anos pares, realiza-se o "Concurso Castells", onde os colles (grupos) se encontram na Tarraco Arena Plaça para competirem. A primeira competição realizou-se em 1932 e contou com a participação de apenas quatro colles castelleres:Colla Vella dels Xiquets de Valls, a Colla Nova dels Xiquets de Valls, a Colla Vella dels Xiquets e a Colla Nova dels Xiquets de Tarragona.

A segunda edição aconteceu em 1933, mas não houve continuidade e a edição seguinte só aconteceu em 1952 e depois em 1980. Desde então, o Concurs de Castells é realizado a cada dois anos.

Mas o que são castells: Inicialmente os membros mais velhos de um Castell juntam-se no solo formando um círculo apertado para servir de base para que a estrutura possa ganhar altura, a chamada Pinya. Quando o castelo humano alcança uma altura estipulada, várias crianças de sete e oito anos sobem pelas costas dos demais até chegarem à parte mais alta e levantam a mão, uma Aleta, sinal de que o Castell foi concluído com sucesso.


Depois as crianças começam a descer e quando todos os membros estiverem no chão, o público aplaude em sinal de que o Castell foi completado e não caiu.

Como alguém me explicou quando eu admirava a estátua, as crianças que hoje tocam o céu amanhã serão a base e a solidez de um castell.

E despois da interessante descoberta dos Castell, aconteceu mais uma, nos mercados de Natal de Tarragona. Todas vendiam dezenas de Tió, um curioso e pequeno personagem construído com um pequeno tronco de madeira, um típico chapéu catalão (a barretina), pequenas pernas de madeira e uma cara sorridente.

Foi aqui que alguém nos explicou que o Caga Tió tem um importante papel no Natal catalão. A partir do dia 8 de Dezembro, o Caga Tió que decora as casas no Natal, é coberto com um pequeno cobertor, para que não sinta frio e todas as noites é "alimantado" com frutos secos.

Na noite de24 de Dezembro, o Caga Tió é colocado junto à lareira ou à arvore de Natal. Manda a tradição que as crianças são chamadas pelos pais para iniciar a "cerimónia",  que consiste em bater com um pequeno pau no Caga Tió, enquanto cantam uma canção: Caga tió, caga torró, avellanes i mató, si no cagues bé, et daré un cop de bastó. caga tió! Em português, a letra da canção será algo como: Caga tronco, caga torrão, avelãs e queijo, se tu não cagares bem, bato-te com um pau. Caga tronco!

Terminada a canção, as crianças saem da sala e os pais aproveitam para deixar os presentes debaixo do cobertor. Quando tudo está preparado, os pais chamam as crianças de novo, que ficam encantadas por encontrar os presentes que o Caga Tió defecou. Originalmente, os presentes eram doces, torrão ou pequenas lembranças, hoje em dia alguns pais já dão os presentes na noite Natal e não do Dia de Reis, como é tradição em Espanha.

As cerimônias com o Caga Tió também acontecem em lugares públicos: são as chamadas cagations populars.

Uma tradição com tanto de insólito como de liberdade linguística. Quando a mim, apesar de não ser miúda, comprei um Tió, por sinal o mais sorridente de todos mas até à presente data não consegui que ele defeca-se nada.

1 comentário:

Camila disse...

Caga Tió! Desta história não me vou esquecer!!