Curiosamente foi na Igreja Matriz
do Sagrado Coração, mesmo no centro de Lourdes, que deparei com uma história que
parece ter sido a fonte de inspiração para o conto de Charles Perrault.
Mas aviso já que esta história
não acaba nada bem porque príncipes encantados e finais felizes só nas historias
de fadas
Filha de um pequeno proprietário
agrícola de Pibrac, e de sua terceira esposa, Maria Laroche, mulher de saúde
frágil, Germana Cousin nasceu em 1579, durante um período de guerras. Malnutrida,
escrofulosa, tinha a mão direita deformada.
O pai não a amava e nunca lhe
deu um carinho. E quando voltou a casar nunca se apoquentou com a
perseguição que a madrasta sistematicamente moveu à filha. Na casa paterna,
Germana nunca encontrou aquela paz que todos encontramos, o porto seguro que
nos põem ao abrigo do pior.
Um dos biógrafos que escreveu a
sua história narra:
“A madrasta, sempre irritada,
repreendia-a constantemente e deu-lhe, como quarto, o estábulo. Não satisfeita, e por pura maldade, proibia de se aproximar dos irmãos. Estes factos foram testemunhados pelos vizinhos, que os narraram em
documentos incluídos no processo de canonização.
Ela conformava-se com aquelas humilhações e injustiças. Calava-se e escondia-se.
Germana era a
responsável pelos carneiros da família. E, conta-se que para ir à igreja,
deixava-os aos cuidados de Deus: nunca, nestas ausências, animal algum se
extraviou ou se perdeu, nem lobo jamais fez qualquer incursão nos campos em que
os animais estavam a pastar.
Conta-se também que a barrar-lhe
o caminho da igreja havia um largo ribeirão sem ponte: no Verão, passava-o
Germana facilmente pelo vau, mas, no tempo das chuvas, quando então o curso das
águas aumentava, tornando-se perigoso, a jovem, viram-no vários camponeses da
região, atravessava-o a pé, uma vez que as águas, como no Mar Vermelho,
abriam-lhe um seguro caminho.
Nos campos sem fim, quando os
sinos da igreja, ao longe, no crepúsculo, tocavam o Angelus, punha-se ela de
joelhos, tivesse neve ou não, e suplicava que lhe dessem forças para
tudo vencer.
Aos miúdos das redondezas, que
às vezes vinham ter com ela ao final da tarde, sentava-os em roda e ensinava-lhes o catecismo, repetindo o que ouvia na missa.
Penalizada com os pobres que passavam pelos campos, resolveu recolher os restos da casa paterna para lhes dar. A madrasta acabou por suspeitar que a enteada escondia pão, debaixo do avental, e segui-a. Interceptou-a e, rispidamente, ordenou a Germana que soltasse as pontas do avental: Germana obedeceu e uma chuva de flores caiu por terra, perfumando os ares. Era um milagre, uma vez que se estava no mais rijo inverno.
Um dia, não a viram sair com o rebanho, como habitualmente e um dos irmãos foi ver o que acontecera. Encontrou-a já sem vida. Germana falecida em 1601, deixou o mundo aos vinte e dois anos e foi, desde que perdeu a mãe, que não chegou a conhecer, uma sofredora.
O povo, em massa, compareceu ao funeral de Germana, porque sempre fora doce, caridosa, humilde e paciente. Que dizer do ribeirão que separavam as águas para que pudesse atravessá-lo? Que dizer dos ensinamentos ministrados às crianças, nos campos? Que pensar das flores que, em pleno inverno, caíram do seu sujo avental, às vistas da madrasta sempre malévola?
Germana foi enterrada na igreja,
diante do púlpito. Quarenta e três anos mais tarde, ou seja, em 1644, o
coveiro, ao fazer preparativos para enterrar um parente, encontrou, quase à flor
da terra, um corpo muito bem conservado. Era o corpo duma jovem que, ao ser
tirado da cova, chamou a atenção por ter uma das mãos, a direita,
deformada.
Dois anciãos, Pedro Pailhès e Joana Salères, reconheceram-na como sendo Germana Cousin, falecida 43 anos atrás. Muitos milagres então foram então atribuídos. Beatificada a 7 de Maio de 1854, foi canonizada a 29 de Junho de 1867".
Charles Perrault escreveu a Gata Borralheira em 1697, 96 anos após a morte de Germana Cousin, inspirado num popular conto intaliano - La gatta cenerentola. Fica no entanto a nota das semalhanças com a vida real.
Que pena não terem sido semelhantes em tudo.
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